domingo, 16 de janeiro de 2022

FILMES DE SUPER HERÓIS

Uma breve história sobre super-heróis
 


A personagem Ruiva Collant ou algo assim, não assisto esses negócios.

Esses dias, meses talvez, me convidaram pra assistir um filme de super-herói. Não sei, acho que era o do artista marcial dos anéis mágicos ou bobagem do tipo. Um personagem de oitava categoria que acharam perdido nas propriedades da Marvel pra fazer uns milhões usando a mesma fórmula de filme dos últimos quinze anos: história de origem, piadas da praça é nossa, referências, super batalha de computação gráfica e cenas pós-créditos. É o que dá pra fazer, puxar do fosso qualquer coisa que já não foi explorada exaustivamente na esperança que cole na mão de um ator com carisma maior que o de uma porta. Claro, até o próximo reboot pra fazer a nova versão dos vingadores vingar até 2035.

Não tem problema gostar de rotina de entretenimento, tem gente que gosta de rotina de trabalho. Acho até saudável neste cenário pandêmico ficar em casa assistindo super-heróis do fundo da lata do lixo por mais uns anos até o novo filme do Homem de Ferro ou Capitão América. E eu confesso que estou curtindo a raspa do arroz da panela de super-heróis em ênfase: Imagine um mundo onde milhões assistem um seriado do Loki. Se isso não é poder corporativo, o de transformar um vilão de quinta categoria dos gibis numa sensação, não sei o que é.

Mas até agora o melhor filme que não vi é o último Esquadrão Suicida, que parece que pegou umas propriedades da DC que não viam a luz do dia desde os anos 60 de tão medíocres. Só estou esperando para ser chamado pra ver um destes filmes de personagem porcaria de novo. 

Já imagino como será:

-E aí, vamos ver o filme do Cavaleiro Anal?

-Quem?

-Não conhece cara? O Adam Driver vai interpretar! Tá pela internet toda!

-Ah, então é isso esses vídeos circulando do cara que fez o Kylo Ren peidando raios.

-Não é um peido, cara, é o poder do Cavaleiro Anal! Ele tomou uma injeção do governo americano e seus glúteos ganharam poderes cósmicos! Toda vez que a bunda bate palma, soltam explosões!

-Mas de onde tiraram isso?

-Do filme da Sobrancelha Humana, ele aparece. Sempre fui fã da Sobrancelha Humana e do Cavaleiro Anal, tive uma ereção quando vi o Adam Driver com a roupa nos prós-créditos.

-Que Sobrancelha Humana cara?

-É a Emilia Clarke do Game of Thrones, ela interpreta a Sobrancelha Humana, que apareceu no pós-créditos do terceiro filme das Guerras Intermináveis, onde o Shang Chi e o Punho de Ferro derrotaram o Thanos na realidade alternativa.

-Tá, vamos ver essa porra de Marechal Anal aí.

-É Cavaleiro Anal!


O FILME






Adam Driver é o soldado Knight A. Nall, recrutado dos esquadrões da morte americanos que operavam no Afeganistão para um projeto secreto da CIA. Como todos os heróis da Marvel, ele é um cara meio piadista, meio sacana, mas com um bom coração, pois não matou crianças afegãs quando teve oportunidade, contrariando ordens diretas. Recebe uma injeção num laboratório da STARK, que causa dedo no cu e gritaria da maioria que assiste o filme pela referência. Piadas estilo praça é nossa. Pessoas assistindo gargalham como se fosse a coisa mais engraçada do mundo.


Após a injeção seus glúteos batem palmas em computação gráfica e soltam raios destrutivos. O experimento foi um sucesso. Por causa de uma única cena de um minuto no começo do filme onde ele aparece lendo um livro sobre história medieval, ele escolhe ser o  Cavaleiro Anal. Samuel L. Jackson reprisa o Nick Fury dizendo que o herói deve lutar contra uma nova ameaça, o Abominável Rolha. O cinema quase vai ao chão com gente gritando ao ver o Nick Fury. Numa das fileiras do cinema, uma mãe recebe um tapa na cara de um filho hiperativo que não se controla durante a cena. Piadas estilo praça é nossa. Pessoas assistindo gargalham como se fosse a coisa mais engraçada do mundo.

O Abominável Rolha, interpretado por Al Pacino, era um enólogo que gostava de cheirar as rolhas dos vinhos. Uma dessas rolhas era radioativa, o que lhe concedeu o poder de criar rolhas de energia e ele usa esse poder para o mal. Abominável Rolha usou seus poderes para bloquear a fronteira com o México e impedir a imigração ilegal, para ter um comentário político e mostrar que o filme é relevante e não só um produto corporativo qualquer. Cavaleiro Anal vai enfrentar o vilão e se segue um diálogo com piadas estilo praça é nossa. Pessoas assistindo gargalham como se fosse a coisa mais engraçada do mundo. Então começa uma grande batalha de computação gráfica que ocupa metade do filme.

No momento dramático, Abominável Rolha acerta em cheio uma rolha de energia no meio do rabo do Cavaleiro Anal, que fica impedido de bater os glúteos e soltar raios. Agora ferrou tudo, a tensão é grande. Adultos choram nas poltronas do cinema, com medo de que o Cavaleiro Anal perca este combate. Imagens de imigrantes mexicanos desesperados, de Donald Trump tomando sangue de virgens num cálice feito do crânio de um bebê, de Nick Fury vendo a batalha por câmeras. Rolha faz seu discurso de vilão e parte para o ataque final. E toma uma sobrancelhada na cara, tal como uma chicotada.

É a Sobrancelha Humana que aparece para salvar o dia! Música orquestrada esperançosa, reações de alívio dos imigrantes, de Nick Fury, de ódio do Trump. O cinema é uma gritaçada sem tamanho. Adultos levantam-se das poltronas batendo palmas, alguns com os glúteos em homenagem ao herói do filme, causando uma salva de peidos. Close na Sobrancelha Humana, que faz uma piada estilo praça é nossa. Pessoas assistindo gargalham como se fosse a coisa mais engraçada do mundo. Então sua sobrancelha de computação gráfica, tal como tentáculo, arranca a rolha do rego do Cavaleiro Anal, que bate os glúteos de maneira tão violenta que solta um Kamehameha do cu e derrota o Abominável Rolha.


Piada estilo praça é nossa. Pessoas assistindo gargalham como se fosse a coisa mais engraçada do mundo. O filme chega ao fim, e é hora dos pós-créditos. Meia hora de letras passando, e então aparece Buceta Humana, causando furor incontrolável nas pessoas assistindo. E ao final, na última cena, somente a silhueta de um enorme caralho, que vibra ameaçadoramente. As pessoas no cinema vão a loucura, pois aquela só pode ser a sombra do Super-Vilão Ômega Vibrador. Tudo é sangue, tudo é insanidade: pessoas rasgam suas roupas e uivam para a tela do cinema ao perceberem que Buceta Humana e Ômega Vibrador terão seus filmes; outros quebraram os pulsos de tanto baterem palmas, mas isso não impedem que continuem; uma velhinha é pisoteada por gente correndo pelo cinema e muitas poltronas estão encharcadas de sêmen, de tanto que o público ejaculou com os pós-créditos.


Em suma, uma experiência padrão de ir ver filmes de Super-Herói.

sábado, 29 de maio de 2021

CONTOS ILLUMINATI PARTE 2

CONTOS ILLUMINATI 

PARTE I


II: O COMEÇO DO MEIO




Brito Camacho.


Um cliente desesperado. Uma Webnamorada desaparecida. Tudo apontava na direção de um caso sem complicações. Já conseguia visualizar a coleta do pagamento assim que eu desmascarasse a tal "garota", de nome Annie May, como a pilantra que era. Meus instintos diziam que não passava de uma golpista pútrida dos confins mais depravados da internet, se é que era uma mulher em primeiro lugar. Uma vez na grande rede de informações e com o preparo adequado, qualquer pessoa pode ser... Qualquer outra pessoa.

Mas as complicações começaram no momento em que o cliente, Dalton Fitzpeter, deixou o meu escritório. Mal virei as costas para checar meu computador de trabalho quando escuto gentis batidas na porta. Achei estranho, pois a maioria dos casos eram combinados por telefone ou e-mail antes de uma entrevista propriamente dita e não lembrava de nada adicional marcado para aquele dia. Atendi o chamado e deparei-me com uma bizarra figura. Tomado pela estranheza não consegui emitir qualquer palavra, o que fez aquela pessoa tomar a inciativa.



Golgotha Raventears


-Bom dia, sensei.; Disse ele, com um inquietante sorriso de canto de boca.

Algo não estava certo. Não sei se era pelo homem de meia-idade maquiado como a arara de estimação da morte ou pela voz forçada que lembrava um adolescente tentando falar grosso.

-O que quer aqui, senhor...?

-Golgotha. Golgotha Raventears. Acredito que você seja o sensei Camacho?

-Sim, sou Camacho. Brito Camacho. Mas não sei desta história de "sensei".

-Vai me fazer implorar para estudar, sensei? Como nos antigos filmes de kung-fu? Se for o caso, cairei de quatro aqui mesmo.

O pica-pau das trevas imediatamente foi de joelhos ao chão emitindo um "ai!" desafinado e agarrando minhas pernas. Atrás dele, com a porta do escritório aberta, pude ver o corredor do prédio. Na frente da minha firma de detetive particular existia um consultório médico. Era o final do expediente e pude ver a recepcionista, Rodriga Loverjoice, nos encarando com um misto de surpresa e repulsa. Que rebordosa.


Rodriga Loverjoice.

-Sensei! Sensei! Me aceite, Sensei!; Gritava escandalosamente a escabrosa figura pendurada em minhas calças, balançando a cabeça para frente e para trás.

Demorei semanas para conseguir firmar uma conversa de elevador com Loverjoice e já havíamos tomado um café juntos no botequim da esquina. Estava tentando juntar coragem para convida-la a sair uma noite dessas... E agora este periquito de coveiro estava pondo tudo a perder. Antes que a situação se agravasse ainda mais, puxei Golgotha pelo colarinho e o arremessei para dentro do escritório. Quando fui falar com Loverjoice, ela já havia tomado o elevador. Sentindo uma das veias na minha testa prestes a explodir, tentei acalmar-me para não lançar os punhos no trevoso. Ainda bem que conhecia os segredos do módulo da Calma Transcendental.

-Escuta aqui, palhaço...

-Palhaço não!; Interrompeu-me Golgotha, levantando-se rapidamente num kip up; -Os góticos e os palhaços são inimigos naturais. Não me confunda com uma destas bestas.

-Tanto faz. Aqui é uma firma de detetives e estou ocupado com um caso. Não sou sensei de nada.

-N...Não??; Raventears parecia genuinamente chocado; Mas na internet digitei "academia de Pa-Kua" e este lugar aparecia como a primeira sugestão, completa com seu nome, Camacho.

-Deve ser um engano, nada mais. Mas por curiosidade me diga, pelo seu kip up você já parece saber de artes marciais. Alguma razão especial de procurar Pa-Kua?

-Sabe o que é, Camacho? Nós góticos somos odiados e incompreendidos...

-Ah, entendo; Adiantei-me; Você quer aprender a se defender de ameaças físicas com uma verdadeira arte marcial.

-É que atualmente as pessoas não estão nem aí para os góticos. Ninguém quer fazer bullying comigo, acham minha roupa até chique. Mas o poder da nossa tribo vem da incompreensão e ódio, como falei. Nos torna mais fortes, nos dá uma reserva de poder místico. Pensei que se fizesse Pa-Kua, o bullying recomeçaria e eu me banharia mais uma vez na energia do escárnio alheio.


Pa-Kua.

-... Fora daqui. Agora.

-Uuuh, sensível. Sabe, Camacho, você daria um bom gótico. Já até sabe Pa-Kua. Posso recomendar um álbum do The Cure para você?

-Fora!

Com o papagaio da escuridão longe do meu escritório eu poderia trabalhar tranquilo. Mas uma coisa não saía da minha cabeça. Minha firma estava constando como uma academia. Então me bateu, tal como um soco de uma polegada. Imediatamente liguei para o comissário Mountbatten que informou o que eu já temia: O "Cagador Misterioso", facínora que depredava escolas de Pa-Kua, havia fugido da cadeia tempos atrás.

A relação era clara. Eu o prendi. Ele queria vingança. Marcou meu lugar de trabalho como uma academia para ter o prazer de invadir e cagar na minha mesa.

Isso não ficaria assim. Eu estava um passo a frente e defenderia o escritório não com socos e pontapés, mas com Vigilância. Vigilância foi o nome que dei ao meu fiel três oitão, que imediatamente puxei da gaveta e municiei.

Decidi não voltar para casa. Eu trabalharia no caso Annie May durante a noite toda e ficaria de tocaia caso o "Cagador Misterioso" desse as caras.

Oh, e por Deus, como eu queria que ele cruzasse minha porta...



FIM DA PARTE II

domingo, 23 de maio de 2021

CONTOS ILLUMINATI PARTE 1

Depois um longo hiato, a gerência deste blog optou por contratar novos talentos e comissionar uma nova série. Sem mais delongas, Shadows Over Rokugan e algo mais (REVAMPED) apresenta...

CONTOS ILLUMINATI


I: O FIM DO COMEÇO


Brito Camacho.


Meu nome é Camacho. Brito Camacho. Durante dez anos trabalhei na força policial de Nova Vlaaza protegendo e servindo. Vestindo a camisa, orgulhando a força. Nada me trazia mais felicidade do que capturar um criminoso que se achava o espertalhão. O gatão. O graúdo. O tipo de cara que levantava o saco com as mãos e dava ele com tudo na mesa de sinuca para assustar os outros jogadores. Fui eu que solucionei o caso que a mídia chamou de "Cagador Misterioso", uma pessoa que invadia academias de Pa-Kua durante a madrugada e defecava no centro do tatame, para horror das turmas matinais. E foi assim que a polícia assinou um acordo de módulos com a rede nacional da arte marcial, resultando no recebimento de treinamento com desconto para toda a força. Eu mesmo tornei-me faixa preta em seis meses, um recorde.



Pa-Kua.

Mas isso é coisa do passado. Com os protestos civis alegando violência policial somados a um prefeito sedento por cortes de verbas, muitos bons policiais foram mandados embora. Enquanto a cidade lentamente caminha para saques e tiroteios a luz do dia, eu tento ganhar a vida como um detetive particular. Meu vizinho Praxedes às vezes comenta comigo no elevador do apartamento como a violência cresceu nos últimos tempos; dou de ombros. Minha parte eu fiz e se a sociedade não me quer, não sou eu que vou chupar-lhe  as metafóricas frieiras dos pés, implorando por um retorno que será recebido com zombaria ribombante.

Ser um detetive particular, ou DP como chamam no ramo, não é tarefa lá muito emocionante. O trabalho consiste em perseguir espertinhos que tentam dar calotes em seguradoras ou firmas de empréstimos, averiguar infidelidades de casais. E foi num desses casos que as coisas esquentaram... Quando ele entrou no meu escritório.


Dalton Fitzpeter.

-O... Olá?; Disse-me a calva figura, tentando esconder seu nervosismo.

-Bom dia, senhor.; Respondi cordialmente, enquanto me ajeitava na cadeira; E bem-vindo. Me chamo Camacho. Brito Camacho. Sente-se.

-Oi senhor Camacho. Eu sou Dalton Fitzpeter.

Ele estendeu a mão para me cumprimentar. Senti a pele mole e enrugada, levemente úmida de suor, sinais claros de um masturbador compulsivo. Após o toque imediatamente recuei minha mão para discretamente seca-la na calça.

-E o que o fez me procurar, senhor Fitzpeter?

-É... É... Que...

O homem suava em bicas, sentado desajeitadamente com as pernas cruzadas na poltrona frente a minha mesa. Levantei-me e mencionei ligar o ventilador de teto, ato que fez Fitzpeter produzir um grotesco sorriso de boca aberta. Não foram nem dois minutos de interação e já queria o sujeitinho repugnante fora do meu escritório. Fora da minha vida.

-Fale, Fitzpeter. Se você não me disser o que acontece, não poderei ajudar.

-É... A minha namorada, senhor Camacho.

Tive de virar-me rapidamente para a janela no intuito de esconder a gargalhada. A noção de que aquele homem tinha uma namorada era no mínimo cômica... Mas logo tornou-se deprimente. Afinal, desde que fui afastado da polícia não sei o que é o calor de uma mulher. Recomposto, tornei a encara-lo.

-E qual o problema? Infidelidade?

-Não, não!; Retrucou rapidamente Fitzpeter, abanando as mãos como se fossem leques para enfatizar a negativa; Ela sumiu faz duas semanas!

-E você não foi até a polícia? Me parece um caso para eles.

-Eu tentei, mas eles riram da minha cara, senhor Camacho. Riram!

-É verdade que a polícia está em maus lençóis, mas duvido que fariam algo assim, tão...

-Ah!; Interrompeu a impertinente criaturazinha; Eles falaram que não podem ajudar no caso de ser uma webnamorada.

-Web... Webnamorada?

Sim! Uma webnamorada é uma namorada que mantenho online.

-Oh.

Fitzpeter tirou o celular do bolso da calça e me mostrou uma foto.


Annie May.

-O nome dela é Annie May. Conheci jogando LoL e com a minha ajuda ela já tem as melhores skins do jogo!

-E você tem certeza que não é um homem de quarenta anos se passando por uma adolescente?

-Tenho! E ela não é uma adolescente, me garantiu que é maior de idade. Depois do LoL, eu me inscrevi no onlyfans dela e tenho várias fotos dos pezinhos e das axilas que ela deixa peluda só pra mim. Fico imaginando como deve ser o cheiro depois de... 

Percebi que as mãos do cliente estavam ficando trêmulas, o suor da careca escorria livremente em gotas gordas. Meu almoço começava a pedir para emergir pela minha boca em protesto àquela descrição. 

-Senhor Fitzpeter! Foco!; Falei com firmeza, tentando esconder o que poderia ter saído como uma súplica, não fosse meu treinamento no módulo de Pa-Kua  da calma transcendental.

-Oh, desculpe! É que amo muito meu amorzinho. Estávamos discutindo sobre levar a relação para o próximo passo...

-Morarem juntos?

-Fotos de ensaios eróticos.

-Ah.

-Eu fiz o primeiro depósito, mil moerdas, mas no mesmo dia ela sumiu da internet sem deixar rastro.

Mil moerdas... Mil moerdas. É bastante dinheiro para fotos de um simples ensaio erótico. Tendo todas as características de um masturbador compulsivo, pensei que no mínimo Fitzpeter soubesse da existência de pornografia gratuita na internet. Decidi deixar estas conjecturas de lado.

-Bom, senhor Fitzpeter. Eu precisarei de todas as informações que você possa ter desta "Annie May" no meu e-mail, bem como detalhes da sua relação, com explicação do que são essas palavras que você usou... LoL, skins, onlyfans... Para agilizar o trabalho.

-Então você vai aceitar o caso? URRUL!! 

O homem abriu novamente a bocarra deformada, resultando num sorriso monstruoso. Por um momento achei que fosse quebrar o maxilar, tamanha a abertura. Acho que cheguei a ouvir uns estralos nojentos.

-Calma; eu disse, interrompendo o júbilo semi sobrenatural de Fitzpeter; São duzentas moerdas por dia mais quaisquer adicionais necessários, que serão informados previamente.

-Duzentas moerdas? Mas que caro!

O sujeito que paga mil moerdas num ensaio erótico de uma total estranha sem pestanejar estava dizendo que cobro caro. Se for parar para pensar ele apertou minha mão, coisa que ele talvez nem sonhe em fazer com essa tal Annie May ainda nesta década, e foi de graça. A revelação de que eu fui mais íntimo com ele do que a própria namorada fez meu estômago dar voltas.

-...Mas acho que não tenho alternativa. Tudo bem, eu pago.

Fitzpeter fez menção de me cumprimentar novamente, mas dei um tapinha nas costas dele e o coloquei para fora do escritório garantindo que eu faria o melhor possível. Imaginei que seria um caso simples de identidade falsa e alguma pesquisa criativa me renderia um dinheiro fácil. 

Ah, como eu estava errado.

Foi assim que me meti no caso mais alucinante da minha vida.


FIM DA PRIMEIRA PARTE

quinta-feira, 4 de março de 2021

A logística do Senhor dos Anéis

AVISO: CONTÉUDO IMPRÓPRIO. LINGUAJAR CHULO E ESCATOLÓGICO (não é do tipo teológico).


 Logística do Senhor dos Anéis


Um Hobbit.


Estava eu em casa quando Gudomiro, amigo de longa data, jogador de RPG satanista, gamer, otaku e k-popper veio me visitar. Com um sorriso no rosto e uma camiseta de Star Wars, ele me cumprimentou:

-Vida Longa e Próspera, Reneguelson!

-E aí Gudomiro, beleza?

-Tudo fodendo legal. Acabei de terminar minha maratona semestral dos filmes do Senhor dos Anéis!

-Ah. Quer caçar tatu no mato?

-Hoje não, tava pensando em só papear.

Aquela expressão, "papear", encheu-me de calafrios. Estava com a sensação que teria de aguentar uma noite inteira do Gudomiro falando sem parar daquela porra de filme de criança enquanto enche meu pc com vídeos de kpop. Fazer o sujeito beber não adiantaria, pois com o álcool ele iria tentar me obrigar a fazer um personagem para algum daqueles rpgs malucos dele. Por dez anos tenho me esquivado de jogar esse negócio e não seria hoje que eu faria um boneco. Me restava começar a ouvir das peripécias de Legolas, pela centésima vez. Não. Hoje seria diferente. Hoje eu lutaria. 

Sentamos no sofá e Gudomiro começou, como quem não quer nada:

-Sabe, sempre achei que quem assiste casualmente senhor dos anéis não dá o devido valor para o papel do Sam.

-O hobbit né? Lembra quando me falasse da dieta deles?

Os olhos de Gudomiro brilharam.

-Claro! Tem o primeiro café da manhã, o segundo café da manhã e...

-Tá, tá. Eu queria te perguntar sobre disso.

-Como assim?

-Se não me engano eram tipo seis ou sete refeições por dia.

-Oficialmente são seis, mas no filme colocaram uma sétima. Achei uma alteração desnecessária do cânon, que...

Resolvi cortar antes que ele se empolgasse mais.

-Estava pensando na logística disso.

-...Quê?

-Um hobbit deve comer por dia o que uma família de sei lá, quatro ou cinco pessoas come. Onde eles conseguem tanta comida?

-As terras dos hobbits são férteis.

-Mas tanto assim? Lembre-se, é um mundo medieval, e a logística do plantio e crescimento deve ser levada em conta. Fora o tempo que levam para os animais crescerem e se reproduzirem. Eles não têm acesso a técnicas contemporâneas, agrotóxicos ou antibióticos, então uma praga animal ou colheita devastada por uma anomalia climática faria com que facilmente passassem fome no inverno. Fora a questão de preservação de comida!

-Mas é um mundo de fantasia...

-Ora, mas isso é relevante! Se a questão da comida é tão importante para eles. Os hobbits devem ter um segredo bem guardado, o do canibalismo.

-O quê?

-Pensa bem. É necessário apenas uma seca ou inundação para que o futuro de uma vila hobbit seja comprometido. Além disso, se eles não estão plantando ou cuidando de animais para se alimentarem, estão preparando e cozinhando comida, ou simplesmente comendo. Sobra pouco tempo para qualquer outra atividade, como caçar ou fumar os cachimbões de crack deles. É óbvio que quando falta comida, eles devem matar uns aos outros e comer da carne dos escolhidos.

Vi que Gudomiro começou a ficar nervoso.

-Já falei mil vezes que não é cachimbo de crack, porra! E não tem nada no cânone que fale de canibalismo!

-Não fala pois foi um negócio mal feito. Cheio de furos. É óbvio que os hobbits devem ter outros hobbits na dieta. E outra coisa que pensei agora...

-O quê, merda?

-Eles devem cagar pra caralho.

-...Quê?

-Imagina, eles passam o dia todo comendo. Devem largar cada barro fedido pelo condado e ficarem peidando e arrotando o dia todo. E como muitos deles comem restos e sobras, inclusive comida podre em tempos de penúria, o churrilho diarreico ocasional deve ser algo comum.

-Não sei como isso é relevante...

-Claro que é! É uma parte importante do cenário, se fores pensar. Eles devem ter que fazer paradas contínuas pra cagar durante a jornada do anel. E o condado...

-O que tem o condado, porra?

-Se os caras passam cagando o dia todo, o condado inteiro deve cheirar de merda. Pensa na fedentina que deve ser aquele lugar. Eles não parecem ter dominado a tecnologia do papel higiênico, se limpando constantemente com folhas, imagino. Tantas limpadas de cu por dia devem deixar o rabo do hobbit todo lixado, isso quando não acabam com todas as folhas e precisam andar cagados por aí. Se tu fores pensar na saga, Frodo e os amigos devem andar cagados, cheirando a cu e merda a maioria da jornada, para o terror dos companheiros.

-Vai te fuder!

-Pensa pelo lado bom: Se eles cagam tanto, o condado deve ser incrivelmente fértil, com todo o adubo que escorre pelo rego deles. Quem sabe não deve nem ser todo esse fedor nas casas. Eles provavelmente devem ter algum tipo de hábito de saírem pra cagar juntos nos campos para adubar. Imagina a vila toda, de tardinha, correndo pros campos pra cagarem. Deve ser inclusive uma atividade social bastante prezada, ficar falando do cheiro ou fazendo piadas fecais enquanto se aliviam. Acho que o Tolkien não deve ter explorado essa parte importante da vida social dos hobbits nos livros, o que é uma pena. Um monte de musiquinhas e nada da conversa de caganeira.

-Quer saber? Vai tu te cagar Reneguelson. Eu vou embora, me chama quando não tiver com essas ideias zoadas.

Alívio.

Esta batalha foi vencida, mas a guerra está longe de um fim. 


FIM




quarta-feira, 3 de fevereiro de 2021

MANIFESTO ESQUERDOMACHO

OBSERVAÇÃO: AS OPINIÕES NESTE MANIFESTO NÃO REFLETEM A OPINIÃO DA EQUIPE DESTE BLOG. ESSE TEXTO FOI ENCONTRADO NA DEEP WEB E ESTÁ CIRCULANDO POR AÍ. REPRODUZIMOS EM CARÁTER INFORMATIVO. A ÚNICA COISA QUE FIZEMOS FOI ADICIONAR UMAS FOTINHOS. 

-A DIREÇÃO

ALERTA DE GATILHO: MACHISMO, MISOGINIA, HOMOFOBIA, PALAVREADO CHULO.


Memórias de um esquerdomacho de militância


Esse sou eu. Trabalho atualmente como modelo de stock images em Los Angeles.


Bom dia, friends. Meu nome é Carlos Eduardo Flaubert D'Ellabatte, mais conhecido como Cadu. Fui escolhido pela board dos esquerdomachos veteranos para falar sobre a nossa carreira e dos problemas que passamos e comparar com as atividades atuais da nossa classe. Hoje o pessoal é muito de cancel culture e não sabe das questões de alguém que está nesse jogo por mais de vinte e cinco anos.

A PRIMEIRA COISA QUE DEVE FICAR CLARA, FELLAS: O ESQUERDOMACHO ATUAL TEM UMA VIDA MUITO MAIS FÁCIL QUE OS DA MINHA GERAÇÃO TIVERAM.

Para entenderem melhor, convido vocês a tomarem uma Cuba Libre e apreciarem a leitura deste manifesto. Os mais novos podem pedir para um empregado ler, pois sei que a alfabetização da gauche brasileira atual serve apenas para redigir tweets.


1.0 Relações com a esquerda tradicional




Quando comecei a militar, no finalzinho dos anos 90, nossa relação com a esquerda tradicional era complicada: nós éramos vistos como parasitas, burgueses afetados tentando infiltração no proletariado para corromper o propósito da revolução. Fingir pobreza não era uma questão estética, era de sobrevivência. Lembro o horror de ter que malhar na academia apenas para poder mostrar que eu tinha calos nas mãos, para simular contato com trabalho braçal. Se nós fizéssemos um dos nossos discursos de responsabilidade social da atualidade na melhor das hipóteses iam rir da nossa cara, na pior nos escorraçariam da reunião aos chutes.

Era então necessário vestir camisa do Che Guevara, ter uma bandeira da Venezuela em casa e defender a Coréia do Norte, além de um falso saudosismo pela União Soviética. O Capital de Marx, Cadernos do Cárcere de Gramsci, o Minimanual de Marighella e  Que Fazer? de Lênin eram leituras básicas. Saber um pouco de Hegel, Bakunin e Proudhon não fazia mal, entre outros. Apenas discursos inflamados sobre tomar os meios de produção e revolução armada surtiam real efeito. Era importante participar de células e reuniões, buscar informações sobre atividades de treinamento em lugares afastados e outras particularidades que não acho necessário divulgar aqui. Enfim, era trabalho duro parecer um camarada, todo um preparo antes de poder cair na noite atrás de xereca socialista.

Hoje a vida do esquerdomacho é muito mais fácil. Não precisa nem ler ou ao menos saber esses nomes. Usar chavões como Foucault ou Necropolítica basta. Não somos mais "inimigos do proletariado tentando minar a revolução", nós SOMOS a revolução. Agora é nossa vez de olhar atravessado para os tradicionais e condená-los por sua truculência, racismo, transfobia, gordofobia, ableismo e homofobia. Concordar e aplaudir qualquer minoria, perdão, minorie ou mulher é suficiente para faturar aquela xavascuda atiçada.

Melhor ainda, hoje não precisa realmente militar, colocar a cara na frente dos tiras, tomar porrada de graça e ter ficha na polícia. Você só precisa fingir que tem vergonha de não fazer parte de alguma minoria ou gênero não-binário e demonstrar que é um verdadeiro aliado. Militar custa dentes, se humilhar rende pepequinhas.

Sobre a cultura do cancelamento: Sempre existiram expurgos. Lide com isso,  babe. É a única coisa que não mudou,  nunca vai mudar e é parte integral da nossas relações. Então be smart, keep your cool. Na minha época era apanhar, não poder entrar mais em lugares, ou ver as mesmas pessoas. Na época de vocês é gente contando para o papai internet que alguém se comportou mal. Muito melhor.


 2. Caçada ao Outubro Vermelho




Quando pequenos e médios empresários perceberam que o público GLS, agora conhecido por LGBT+, não tinha seu nicho de entretenimento nos anos 2000 eles lançaram as casas e baladas LGBT+ por preços absurdos, este sendo nosso principal campo de caça. Como simpatizantes, íamos no ambiente onde as mulheres frequentavam basicamente por poderem dançar sem receber cantadas a cada cinco minutos para investirmos pesado, pela pouca concorrência. Nosso principal problema eram os guarda-costas, como chamávamos os amigos gays das moçoilas. Os guarda-costas sempre ficavam nos bloqueando e impedindo nosso avanço. Cockblockers. Às vezes era necessário criar táticas para passar pelo gaiola de pomba, como pedir a um esquerdomacho para entretê-lo enquanto outro atacava a mulher. Alguns dos nossos tiveram que apelar para estratagemas extremos, como entrar em beijos triplos ou mesmo ter que ficar boa parte da noite tomando flertes do guardinha. Era um verdadeiro campo de batalha.

Agora é só sentar num bar e falar coisas vagas sobre a situação do mundo e o que alguém, não sabemos quem, deve fazer para acabar com os fascistas ou de maneira cada vez mais infrequente, com o capitalismo. Uma boa apresentação nas primeiras rodadas garante possibilidade de ajuntamento numa festinha posterior ou mesmo ir para a casa de alguém escutar uns vinis ou fumar um baseadinho. Aí é só abrir a boca do crocodilão. 

Outras interações dignas de menção: cinefilia, poesia, tocar violão. Na minha época, era um adicional que poderia abrir alguns caminhos. Hoje, é como se fosse um pós-doutorado em botação de pau. Mais uma vez, os esquerdomachos de hoje não sabem como a vida deles é fácil, comparada à nossa.


3.0 Relações Líquidas



Um dos principais problemas para o esquerdomacho veterano consistia no frágil equilíbrio entre a pegação e a imagem pública. Por sermos diferentes dos cis héteros comuns, ainda atrelados a uma ideia de camaradagem revolucionária, não podíamos ficar atirando para todo o lado. Ao dar um cato firme numa xotinha, tínhamos que ficar um tempo com ela para não sermos vistos como boys putanheiros riquinhos. As traições tinham de ser discretas e uma pegada casual para os solteiros não poderia ser frequente ou poderia manchar a reputação com as novinhas, dependendo do pensamento delas. Marretar uma buça ou não: eis o dilema de nossa representação.

O esquerdomacho do século XXI não precisa mais se preocupar com isso. Algum gênio promoveu os conceitos de poliamor, relacionamento aberto e pegação irrestrita. Com a liquidez dos relacionamentos, não é mais necessário se preocupar com o que os outros vão achar, só botar pra dentro e depois dar no pé.


EM RESUMO: NÓS, ESQUERDOMACHOS DA GERAÇÃO PASSADA, CONSTRUÍMOS AS BASES PARA QUE OS NOVOS POSSAM TER UMA VIDA MUITO MELHOR. JOVENS, TENHAM CONSICÊNCIA DE CLASSE E VÃO À LUTA. CONSTRUAM UM MUNDO AINDA MELHOR PARA OS PRÓXIMOS ESQUERDOMACHOS, PARA QUE POSSAM DIZER, ASSIM COMO EU, COM ORGULHO, QUE PASSARAM POR DUROS MOMENTOS DE GUERRA. ESQUERDOMACHOS DO MUNDO, UNI-VOS!

-Cadu

PS assinem meu onlyfans onde dou dicas e muito mais.

quarta-feira, 9 de setembro de 2020

MINISTÉRIO DA LEI DE MOISÉS ADVERTE (REPOST)

DISCLAIMER: Estava pensando em diminuir os cigarros, quando me lembrei deste antigo conto de quase onze anos atrás, data original 29 de Setembro de 2009. Me pareceu não ter qualquer indicativo de muita controvérsia ou possível CADEIA, como outros (eram tempos diferentes).  Então, vou repostar, em homenagem.


Bom, como todos sabem, vivemos na Neo Babilônia. Nosso grande Império adota uma série de leis, dentre elas a Lei de Moisés. Ontem estava conversando com o Lázaro, muito proficiente nos mecanismos judiciários, que me repassou este impressionante aviso do serviço público da Neo Babilônia que transcreverei aqui.

 
LEI DE MOISÉS E O CIGARRO
Um caso Verdadeiro.
Aqui é a Lei de Moisés, amigo.

Olá. Meu nome é Artabanus, residente do D2 na Neo Babilônia. Minha história começa quando eu estava nos meus vinte anos de idade. Eu tinha vários projetos em mente: Meu próprio lugarzinho pra morar, terminar minha faculdade de direito, uma namorada legal... E quem sabe um carrinho pra dar umas voltas por aí, né?

Comecei a me empenhar. Meus pais me deram todo o apoio, apesar de nenhum centavo. Depois de batalhar pra caramba, consegui um estágio no Fórum da Neo Babilônia. Comecei a ajudar com as contas em casa, me enturmar com o pessoal do trabalho. As coisas foram melhorando e um dia numa festinha da UFNB, meu colega de trabalho e melhor amigo Sargon me apresentou Ellasar, a garota mais interessante que eu conheci na vida. Ela era caloura das ciências sociais. A gente começou a se ver pelo campus, e logo estávamos namorando. Consegui dar entrada no meu carrinho e logo estava motorizado.

Ellasar, minha namorada.

O tempo passou, me formei e peguei um cargo concursado no Fórum. Eu e Ellasar alugamos nossa própria casa e passamos a morar juntos. Casamos. A gente fazia tudo em perfeita harmonia. Ela fumava às vezes, e eu acabei experimentando. Gostei da sensação. Acabei me viciando, era legal, algo a mais pra relaxar das preocupações diárias. Então veio o melhor presente da minha vida: Cambyses, nosso filho.

Depois de mais uns anos as coisas começaram a mudar. O fardo de Cambyses foi o mesmo que o meu, o cigarro. Ele nasceu com alguns problemas pulmonares e tinha crises de asma com frequência. A preocupação aumentou o número de cigarros, assim como a luta para acumular dinheiro para comprar novas coisas e adquirir uma casa maior. Com o passar deste tempo minha relação com Ellasar esfriou um pouco... Nunca tínhamos brigado por longos períodos ou nos separado temporariamente, mas parecia que estávamos nos distanciando. É que eu estava com um problema sério. Eu já não tinha todo aquele desempenho sexual da época em que namorávamos. Eu e Ellasar sempre resolvemos nossas diferenças na cama, o melhor sexo é o de reconciliação. Achei que era o stress da vida, falta de exercício, sei lá. Consultei vários psicólogos, pensei em tomar remédios, mas nada adiantava. Eu chegava em casa cansado e só queria dormir abraçado com minha esposa. Nas poucas vezes que eu estava no clima eu falhava no meio do caminho. Logo Ellasar começou a dizer que estava cansada... Com dor de cabeça... Estava um inferno. Minha única saída para não ficar louco era fumar um cigarrinho.

Foi então que tomei uma decisão antes que fosse tarde demais. No aniversário de nosso casamento, resolvi sair mais cedo do trabalho. Reservei uma mesa no Hammurabi's e estava preparado pra levá-la ao motel Assírio. A possibilidade de reacender a chama de nosso amor me deixava extasiado, até fumei uma carteira de cigarro a mais naquele dia de tanta empolgação.

Eis que chego em casa como de costume e escuto uns ruídos estranhos no nosso quarto. Primeiro achei que fosse um ladrão mexendo nas coisas, então fiquei apreensivo. Acendi um cigarro pra me acalmar e abri a porta.

Reconstituição da cena, com mais roupas e menos sexo.

Fiquei transtornado. Minha mulher e meu melhor amigo na cama. Sargon olhou pra mim rindo, atracado com ela. Ellasar estava de olhos fechados, gemendo e com cara de quem estava gostando muito, algo que apenas aumentou meu horror. Gritei com os dois, que não tiveram nem a decência de parar de transar pra falar comigo. Angustiado, tentei tirar Sargon de cima dela mas ele me empurrou com uma das mãos e caí no chão com pouco fôlego. Ele terminou, pegou as roupas e foi saindo pela porta da frente cantarolando. Ela se encostou nua na cama e acendeu um cigarrinho pós-sexo. Eu não tinha forças nem cabeça para sequer argumentar.

Fui para o quarto de Cambyses, e vi que ele não estava bem. Estava tendo uma crise séria de asma. Quando o peguei em meus braços, vi que estava respirando muito pouco. Vestida com um roupão, Ellasar disse que o levaria ao hospital no carro dela. Eu a afastei com os cotovelos e disse que levaria Cambyses no meu velho carro. A cada minuto que eu passava dirigindo, eu olhava para trás e via que meu filho estava cada vez pior. Por volta de trezentos metros de distância do hospital, meu carro falhou. Olhei para os lados, a rua estava vazia. Ninguém poderia me socorrer ali. Peguei Cambyses mais uma vez e decidi correr até o hospital. Corri o máximo que eu pude, mas em cento e cinquenta metros eu já não aguentava mais. Tive que parar para recuperar o fôlego, e depois novamente aos duzentos e cinquenta metros. Quando eu cheguei no hospital e estava para entregá-lo aos médicos, já era tarde demais. Cambyses não respirava mais. Os médicos ainda tentaram o possível, mas sua morte foi marcada em meus braços.

Depois disso, minha mulher me deixou. Caí em depressão, perdi meu emprego, meus amigos, minha vida. Morei na rua por anos catando chepa de cigarro em bueiros para poder fumar, me prostituí. Fui resgatado e tive que voltar pra casa dos meus pais com mais de quarenta anos na cara. Por muito tempo culpei meu carro pela morte do meu filho, mas no fundo eu sabia que quem tinha falhado era o pai. Por causa do maldito cigarro.

Hoje estou trabalhando de secretário numa pequena firma de advocacia, e me juntei com Sheba, que muito ajudou a me livrar do cigarro. Posso dizer com orgulho que não fumo há dois anos.

Sheba.

Posso não estar feliz, e sei que nunca vou ter as coisas que eu amava de verdade de volta, mas pelo menos aprendi minha lição. Eu sou Artabanus, e este é meu depoimento.

O Ministério da Lei de Moisés Adverte: Fumar pode roubar sua mulher e matar seus filhos.

quarta-feira, 1 de abril de 2020

Certo dia no Apocalipse Viral

Certo dia no Apocalipse Viral- Parte I



Corona-Chan, em toda sua glória.


AVISO: CONTEÚDO IMPRÓPRIO. LINGUAJAR CHULO E SITUAÇÕES APIMENTADAS. HUMOR ÁCIDO E DE MAU GOSTO. TIREM AS CRIANÇAS DA SALA.


Pow. A rebordosa dessa vez foi selvagem. Depois que ajudei a organizar a copa do mundo de 2014, descobriram que a falta de internet seguida do apagão no estádio do Maracanã foi falha do seu Valdir. Eu paguei duzentos conto pra ele fazer a fiação e instalar a internet, preço muito acima do mercado, e ele me dá uma dessas! O pior foi que aqueles cartolas filhos da puta, ao invés de punir o responsável, jogaram toda a culpa em mim, que só paguei o seu Valdir. Sacanagem. 

Antes que eu pudesse fugir do país com o dinheiro que sobrou do contrato da fiação, a polícia federal me pegou. Lançaram uma investigação e logo souberam que comprei uns quilinhos de pó na fronteira. Eu disse que era pra consumo, mas não acreditaram. Depois descobriram que eu tava no dia que o Colisor de Hádrons deu pau e que eu posso ou não ter sido responsável pelo vazamento da usina de Fukushima. Falei que foi tudo culpa do meu colega de emprego, mas eu não lembrava mais o nome dele. Quando eu disse que ele era tipo o Dhalsim só que de bigode, ainda me tocaram uma acusação de racismo pra fechar com chave de ouro. Só me fodo nessa merda.

Consideraram reabrir o tribunal de Nuremberg especialmente pra mim, mas felizmente eu tinha uma carta na manga: o telefone de São Raposo, o patrono dos heróis, advogado mundialmente conhecido. Por acaso quando eu estava em Marrocos negociando armas em 2008 eu topei com ele numa orgia e ele me deu um cartão laminado com o telefone dele que até hoje eu usava como arma de corte quando a coisa apertava.

São Raposo é tão fodanchado que até conseguiu manter o assunto longe da mídia, os arquivos do caso guardados no codex proibido do Vaticano. Mas mesmo assim acabei pegando duzentos anos de cadeia em segurança máxima numa solitária. Pelo menos não me executaram, então tá bom.

Só sei que nesse tempo todo preso, desde 2014, quebrei meu braço umas três vezes de tanto bater punheta. Não tinha muita coisa pra fazer trancafiado, além de praticar arte fecal nas paredes, claro. Uma das minhas pinturas foi inclusive fotografada pelo psiquiatra do cadeião e ele vendeu a foto para o Louvre, com o nome de "Merde du jour", e fez uns milhões nas minhas costas. Eu jurei que a primeira coisa que eu ia fazer se eu saísse daqui um dia seria caçar o Doutor Praxedes pra pegar minha grana da pintura. Justo meu primeiro trabalho totalmente dentro da lei, e me passam a perna!

Até que em março de 2020 minha sorte mudou. Chegou um cara com uma roupa anti-radiação na solitária querendo bater um papo comigo.Já perguntei:

-E aí camaradagem, qual vai?

-Senhor... Mocassino?

-Isso mesmo, chefe. Valdisnei Mocassino, ao seu serviço!

-Me chamo Jacinto Bulhões de Carvalho, adeivogado do ministério da justiça.

-Prazer, carvalhudo.

-Não sei se o senhor sabe, mas estamos com uma pandemia no mundo. Corona-chan virus é o nome e já infectou, de acordo com os dados oficiais, "Um putilhão de pessoas'.

-Tabaco, heim?

-A situação é séria... E queremos saber se o senhor é o responsável.

-De que jeito, homem?

-Seu... Talento para "foder com o mundo", acredito que este seja o termo oficial usado no site da CIA, é temido e até mesmo adorado por todo o globo.

-Adorado? Sério?

-Sim, o Mossad teve que desmantelar um culto em Birigui, São Paulo, que lhe ovacionava tal como um Deus. Lá encontraram muitas armas e cocaína.

-Já se vê que essa gente não me conhece! Essas coisas são pra vender, não pra usar. Pode me passar o telefone deles? Quem sabe posso dar uma mão.

-Absolutamente não! E não desvie da conversa, queremos saber se você está por trás do Corona-chan vírus.

-Minha formação é de astrofísico e engenheiro nuclear, não sei nada de vírus.

-Mas é certo que o senhor mantinha uma rede de contrabando de animais selvagens com contato direto com o mercado negro da China, não é?

-Não sabem como foi difícil enfiar um celular no cu e fazer um gato aqui na solitária pra recarregar a bateria. Eu tava só juntando uma grana pra quando sair daqui e ter como me levantar, sabe? Pegar um trabalho honesto, casar, ter filhos...

-Pois saiba que o senhor pode ser responsável pelo Corona-chan, ou não. Não temos como confirmar. Então é por isso que estou lhe questionando da natureza do seu negócio.

-Ah, cara, e eu vou saber? Só joguei a grana na mão dos caras pra eles tocarem o negócio e acompanho meu saldo de bitcoins, que é pra não dar nas vistas. Agora é só criptomoeda que minhas contas nas Ilhas Caimã foram bloqueadas.

-Certo. Então não sabe que tipo de animal era traficado?

-Sei lá, cara. Mangusto, pelicano, mastim napolitano, pangolim-mirim, naja de sete cabeças, morcego vampiro da Romênia... Essas parada. E essa roupa aí de anti-radiação? O Corona-chan é brutal assim?

-Não, gripezinha. Estou usando é pelo cheiro desta sua cela, de paredes cobertas de fluídos de prazer e excremento artístico.

-Sabe que eu me acostumei?

-Tá, tá bem, Valdisnei. O senhor tá liberado. Mete o pé.

-Sério? Posso vazar?

-Estão liberando os presos por causa da Corona-Chan, e o seu adeivogado, o São Raposo, achou uma brecha para te colocar na rua.

-Abençoado seja São Raposo!

-Mas vai ter que usar uma tornozeleira e um drone senciente vai te acompanhar até acabar a praga.

-Show.

E foi assim que eu consegui sair da cadeia. Mr. Roboto até que é um cara legal, para um drone senciente. Ele tem um compartimento com um canivete suíço, que usei pra me livrar da tornozeleira. E agora que estou na rua, é hora de entender o que é essa praga que eu posso ou não ter causado, e mais importante, ir atrás do Doutor Praxedes pra conseguir o dinheiro da minha pintura excremental, pois eu, Valdisnei Mocassino, sou brasileiro e não desisto nunca!



Mr. Roboto, drone senciente.

Fim da Primeira Parte